/
/
Arte Indígena

Arte Indígena

Técnicas ancestrais aliadas à natureza

“A minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.”

Ailton Krenak

Dias atrás uma turista me mostrava suas compras após um passeio à Reserva Porto do Boi. Boa gente e observadora, me fez perguntas a respeito desse povo, que tenho a alegria de viver perto há alguns anos. Segundo ela, naquela manhã haviam mais de cinquenta turistas na vivência, que é oferecida de segunda a sábado pra turistas de todo o canto do país.

De acordo com a prefeitura de Porto Seguro, cerca de 20 mil indígenas pataxós vivem na costa do descobrimento até hoje. Aldeias e Centros Culturais como a Porto do Boi ou a Reserva da Jaqueira, tornaram-se parte dos roteiros turísticos da região nos últimos anos oferecendo vivências, rituais, vendendo seus artesanatos e pinturas corporais.

A iniciativa de abrir as portas da reserva, há 20 anos, surgiu do sonho de um grupo indígena de preservar sua sabedoria e conexão ancestral. Essas atividades não apenas perpetuam a cultura Pataxó, elas são um meio sustento e manutenção das aldeias e famílias locais. Porém, contam que bem antes disso, era comum encontrar pelas feiras de rua em Trancoso e arredores, indígenas comercializando seus artesanatos, muitas vezes negociados na pechincha brasileira.

No contexto atual, onde se discute tanto o fortalecimento e valorização dos povos originários, na preservação cultural e um turismo mais consciente, surge a questão: Como mensurar e compreender a importância da arte indígena pra além do estético, de enfeites oriundos da floresta ou adornos exóticos? Qual é o significado da arte indígena contemporânea? Qual a sua relevância no sul da Bahia e em destinos turísticos vizinhos de áreas demarcadas?

Hoje alguns jovens indígenas se destacam tanto na luta quanto nas artes. Txatxu Pataxó é um exemplo notável – de apenas 25 anos – que encanta com a seriedade que leva o ofício de pintar.

Em 2022 colaborou numa série de telas da artista plástica carioca Christina Oiticica que deram origem ao curta-metragem “Raizes”. O jovem desenhou nas telas pintadas pela artista, que trabalha com a técnica Land Art – arte que se utiliza do meio ambiente, espaços e recursos naturais. Oiticica ganhou a curiosidade do público pela técnica exótica de enterrar suas telas sem nenhuma proteção e algum tempo depois desenterrar sua obra com direta intervenção da natureza.

O curta-metragem, com direção de Léo Barreto, documenta as telas que tiveram intervenção do artista Pataxó, enterradas na reserva Porto do Boi e, após um ano cuidadosamente desenterradas e enviadas de volta pra Europa, onde serão levadas para diversas exposições.

“Conheci Tatu entre 2015 e 2016 em uma das minhas primeiras visitas a Porto do Boi. As vivências eram uma novidade pra mim. Após minha ida ao Xingu, em 2017, passei a prestar mais atenção na importância do registro fotográfico documental. Dali pra frente voltei pra Caraíva com a inspiração de documentar as visitas à Reserva e gerar conteúdo que pudesse ser utilizado por eles para divulgar a cultura Pataxó.”- Léo Barreto, diretor do documentário Raízes.

Txatxu, o protagonista dessa história, tem viajado muito, conhecido muitas pessoas e conta que aprecia ver o mundo. Mas que não se imagina morando distante do seu território, lugar onde a sua história – e parte importante da história do Brasil – começaram.

Em conversa comigo, me conta que a arte permeia sua vida desde os primeiros passos.

Ele nasceu na Reserva Porto do Boi e começou a pintar quando ainda era menino. Observo que a ancestralidade do povo pataxó se manifesta no brincar das crianças. As brincadeiras com arte, movimento e elementos naturais são um prato cheio para o universo infantil.

Perguntei sobre suas referencias artísticas e ele me fascinou com a simplicidade em dizer que é o seu primo mais velho, Chawã, sua grande inspiração. “Um dia meu primo Chawã precisou ir embora pra morar na cidade, então me passou todas as técnicas e dali pra frente ficou comigo a missão das pinturas na reserva, que hoje eu ensino aos meus sobrinhos.”
Desde que a Porto do Boi abriu as portas para o turismo, jovens como Txatxu contam sua história, fazem pinturas corporais, vendem artesanato e dividem um pouco da sua espiritualidade. Hoje ele pinta com maestria corpos, telas, paredes, calçadas, tudo que vier.
Os frutos da colaboração com Christina Oiticica vêm atraindo visibilidade e novos olhares para a arte de Txatxu Pataxó, mas para ele o fazer artístico tem um significado diferente. O artista conta que a principio não gostou da ideia de desenhar sobre uma obra já iniciada por outra pessoa pois entende a atividade como algo sagrado, me diz que é como passar para a tela ou para a pele a sua própria energia.
Foto por Léo Barreto

A respeito da espiritualidade, se intitula para mim como um jovem-aprendiz, que segue aprendendo com seus parentes e anciões da Aldeia. Ele consagra as medicinas da floresta desde muito jovem e hoje conduz as cerimonias de rapé na Porto do Boi.

Aprecio seu jeito sábio de me dizer que valoriza a espiritualidade, mas sem nunca esquecer de manter os pés da terra, olhar para o próximo e cultivar o bem-viver junto da sua comunidade.

As visitas ao Centro Cultural Pataxó Porto do Boi acontecem de segunda a sábado, das 9 às 12 horas. Não é necessário fazer reserva e o transporte pode ser feito de barco e buggy saindo da vila de Caraíva.  

Contato Porto do boi: (73) 9 9932-0869

Instagram: @portodoboi

Tatu: @tatu_pataxo

Compartilhe este Artigo: