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Comida afetiva

Comida afetiva

O cantinho que preserva saberes e sabores

Descobrir histórias que tragam o real significado da comida afetiva em Trancoso me fez percorrer um caminho em direção a memórias recheadas de muita sabedoria

Quando me aproximei do restaurante “Ali na Janete” logo fui recebida com sorrisos dos funcionários. E quando perguntei por Janete, eles responderam “pode entrar, ela está lá dentro”. Ela sempre está lá. O restaurante de Janete está localizado no Quadrado de Trancoso. A casa apresenta um ambiente tranquilo e acolhedor, como uma casa de mãe. O restaurante possui a mesma característica predominante dos restaurantes do Quadrado, um salão na parte interna com alguns lugares, e a maior parte das mesas ficam na parte externa, ocupando um espaço amplo, florido, com cadeiras confortáveis, integrado à paisagem do Quadrado. Janete Vieira Bonfim, 60 anos, mãe de quatro filhos, baiana, nascida em Trancoso – ali mesmo em uma daquelas casas do Quadrado, conta que sua referência na cozinha é a sua mãe, Bernarda,

“Aprendi vendo a mamãe cozinhar, né? Fogãozinho de lenha. Tudo pouco, mas com muito amor. O pouco fica muito quando você deposita amor”. Dona Bernarda fazia pão caseiro, “o melhor pão caseiro que já existiu, pão de leite de coco, porque tinha que ter o leite de coco, era uma delícia, relembra Janete. Na década de 1970, Dona Bernarda viu o movimento de turismo na região e, como não tinha padaria, ela começou a fazer pão para vender para os turistas.

“Mamãe era muito sábia, papai e mamãe eram analfabetos, mas a sabedoria nasceu com eles. Tem amigos que vêm aqui há 40 anos e sempre que voltam perguntam por eles”. Falando do pai, da mãe, da avó, do avô, das irmãs, da sua parteira e professora Dona Higina Cristo, Janete foi contando sua história com a comida e da sua fé no Divino Espírito Santo.

“Eu tinha uma barraca de praia, depois eu vendi a barraca e aluguei um imóvel aqui em cima. Com dinheiro emprestado eu comprei um fogão. E fui trabalhando, trabalhando, montando uma pousadinha e fiquei neste imóvel alugado por 14 anos. Quando decidiram vender eu pensei para onde eu iria e apareceu a oportunidade de vir pra cá. Quando cheguei aqui, eu pensei, vou comprar isso aqui”, conta. Ela fala da sua trajetória com muito orgulho, sabe que nunca um nativo ou uma nativa comprou uma casa no Quadrado, a única foi ela.

Janete construiu a pousada em um terreno que o pai lhe deu. E para comprar o restaurante ela precisava vender a pousada, “Eu falei com papai que se eu fizesse isso, estaria desfazendo do que ele me deu, ele dizia assim: _ venda lá e compre aqui. Eu te dei o restaurante, faça isso”. Essas palavras do pai eram a benção que Janete precisava.

Descrever o trabalho de Janete sucintamente ficaria muito aquém considerando a sua trajetória. Ela tem uma linha do tempo com a história de Trancoso. Nasceu nas mãos de uma parteira que foi a sua professora também, a primeira professora de Trancoso, “chegar uma professora em Trancoso foi um acontecimento, ela chegou para ensinar as pessoas, me ensinou a ler, falava que através da leitura se conhece o mundo”. Janete acompanhou muitas mudanças ao longo do tempo.

Ela conta, por exemplo, que hoje em dia o pescado não atende a quantidade que precisam, que compram em Porto Seguro. E que hoje em dia nem precisam ir até lá para comprar, os fornecedores fazem entrega nos restaurantes. “Entregam pra todo mundo”. Ela considera que as coisas mudaram muito rápido. Mas não reclama disso. As suas referências estão nas suas histórias e nas memórias das pessoas que chegaram, que já passaram por ali e das pessoas que sempre voltam.

"Embora os dias fossem de pausa e lentidão, logo chegava o dia de voltar para casa. As experiências ali, experimentadas, me fizeram voltar algumas vezes, nos anos seguintes, naquela cidade e naquela casa. Cada ano, um encontro. Voltar ao quadrado, à casa de Janete e viver tantas aventuras era um desejo constante. Teve um ano, que chegamos à Trancoso, na garupa de uma moto. Carona conseguida, ainda dentro da balsa, com um grupo de motoqueiros. Outro ano, fomos a pé, pela praia, de Arraial de Ajuda à Trancoso. Aventura, que cessou já com estrelas no céu."

Janete fala com muita saudade das perdas que teve, “perdemos mamãe, perdemos papai, perdemos irmãs, perdi meu marido”. Mas mesmo se estiver cansada ou com saudade, quando pensa em tudo que já realizou, e tudo que aprendeu com os pais, ela agradece.

“Eu já realizei mais do que eu preciso. Aí eu volto naquilo lá atrás que conversamos. Agora eu entendo. Eu nem sabia o que era sonho. Foi acontecendo, não foi fácil. Quando eu vejo e olho pra trás, só agradeço”. Mesmo sem saber, Janete estava sempre sonhando. Acreditou, trabalhou muito e realizou muitos sonhos.

Ali na Janete

O restaurante Ali na Janete apresenta o melhor sabor por meio de um processo tradicional de cozinhar. O cuidado com os ingredientes e a alegria estão presentes no processo de preparo. Janete conhece todos os seus fornecedores e procura manter os mais antigos. No contexto da cozinha baiana a casa serve a moqueca, bobó de camarão e tem diversos pratos com frutos do mar. A culinária está presente em momentos especiais das nossas vidas. Seja para celebrar, trazer algum conforto ou uma experiência nova. Para que isso aconteça, tem muito trabalho antes da comida chegar à mesa e Ali na Janete tem muita história de amor, de coragem e de fé.

Instagram: @alinajanete

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