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Festa do Divino

Festa do Divino

Celebrar e agradecer

O mastro do Divino Espírito Santo é erguido em frente à casa do guardião da festa do Divino, o Sr. João Vieira Bonfim, no Quadrado de Trancoso. Conhecido como João de Antídio – por causa do pai, o Sr. Antídio Bonfim Lua ou como João Jurubeba – como era chamado pelos amigos porque ele gostava de beber Jurubeba ou ainda como Imperador do Divino porque o Sr. João foi entregue ao Divino pela sua mãe, Dona Inácia.

Silvana, filha do Sr. João conta que “antigamente se pedia esmola para a festa do Divino. Saíam com a bandeira e a caixa batendo, cantando, paravam nas casas e pediam esmola. Quem não tinha dinheiro, dava o que podia, arroz, porco, galinha. Quando chegaram na casa da minha avó Inácia, ela não tinha o que dar, não tinha nada. Aí ela ofereceu o meu pai. E meu pai cresceu escutando essa história que o pai dele, meu avô, contava pra ele”.

Um dia conversando com Janete, uma das filhas do Sr. João, eu perguntei a ela sobre o mastro do Divino Espírito Santo na entrada do seu restaurante. Na ocasião, ela me disse que era sobre a história do seu pai e era uma história muito linda. Mas mencionou que eu deveria escutar sua irmã Silvana contando essa história. Antes de me encontrar com Silvana, eu participei da Festa do Divino. Voltei à minha fé de uma forma incipiente, mas muito familiar e terna.

Agradecimentos, pedidos, celebração, música, jurubeba e comida abençoada. É sobre a fé do povo e a cultura popular. Foi no anoitecer do dia 18 de maio e no amanhecer do domingo do dia 19 que a Festa do Divino Espírito Santo movimentou as bandeiras e a coroa do Divino que saíram da casa do Sr. João de Antídio e seguiu em procissão até a Igreja de São João Batista.

Música: Bendito Do Divino Espírito Santo

Acompanha meus senhores a esta festividade
Sois a terceira pessoa da santíssima trindade
Meu divino espírito santo
Divino consolador
Consolai as nossas almas
Quando deste mundo for
Esta pomba vai ao céu
Vai ao céu vai ao senhor

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Música, tambor e saudade se misturam ao vermelho, cor do Divino e mostram uma memória afetiva da família de Silvana e da comunidade. Antes mesmo de chegar o dia da festa eu já tinha me emocionado com a história da família do Sr. João de Antídio e, vivenciando a festa, eu senti saudade de um tempo que nem ao menos eu vivi. A Festa do Divino tem muitos elementos encantadores, tem a família – amorosa e acolhedora do Sr. João, tem as cores, os enfeites, a alegria, a comida e a música. Tudo isso acontece na casa que foi do Sr. João de Antídio, ao lado do restaurante de Silvana, no Quadrado de Trancoso.

Silvana tem quatro filhos, onze netos e dois bisnetos. Assim como Janete, ela também tem um restaurante no Quadrado de Trancoso, o Silvana & Cia. Ela conta que aprendeu a cozinhar com a necessidade, “tinha medo que meus filhos passassem necessidade. Comecei fazendo arroz doce, cocada, não achei que ia chegar a ter um restaurante, mas Deus me abençoou e eu nem sabia o que era um restaurante.” Filhos e netos trabalham no restaurante e também participam da organização e preparação da festa do Divino, assim como todos os sobrinhos.

Ela cantava com o pai no império, como é chamada a procissão do Divino. Silvana conta que mesmo que tivessem outros festeiros, o Sr. João era responsável por fazer a festa junto com o festeiro, “o império vinha da igreja para cá, daqui para lá e ia também na casa do outro festeiro. Mas o altar, chamado de trono do Divino, tinha que ser aqui na casa dele. Depois que chegou a professora aqui em Trancoso, a Dona Higina, ela sugeriu que tivesse o rei, a princesa, para que a festa ficasse mais bonita.

Antes meu pai só fazia a missa e o almoço”. Silvana relembra que não tinha padre em Trancoso e então seu pai foi para Arraial falar como Frei Miguel e combinou de realizar a festa em Trancoso. “Tanto que a festa do Divino não era no dia de Pentecostes. Porque eles juntaram as três festas para poder realizar a missa em Trancoso. Então dia 23 era a festa do Divino Espírito Santo, dia 24 a festa de São João e dia 25 era a festa de São Benedito. O dia certo mesmo era só o dia de São João. São Benedito é em abril e o Divino em maio. Isso porque o padre só vinha uma vez ao ano. Meu pai não tinha condições. Ele pedia para o pessoal que tinha condições para buscarem o padre e ele ficava aqui a semana toda”.

Quando veio o primeiro padre para Trancoso, o padre Ademir, a festa passou a ser no dia de Pentecostes, como é tradição.
Dona Bernarda
Dona Bernarda por João Farkas
A Dona Bernarda, mãe de Silvana era quem cuidava do almoço da festa e também cuidava das toalhas e da limpeza da igreja. “Fizeram isso por 40 anos, fazendo festa, todo ano. Quando minha mãe faleceu, nos juntamos e começamos a fazer”. E quando o Sr. João faleceu, as irmãs Silvana, Janete, Zilda e Ivana continuaram a fazer a festa. Hoje não se pede esmola para realizar a festa. O almoço, que é servido a toda a gente que chega, é preparado com a contribuição da comunidade, de amigos e de devotos. E são muitos os que ajudam e são muitos os que vão comer e celebrar.
O Sr. João viveu 97 anos. No império, Silvana cantava e ele ia batendo a caixa. O Sr. João saía da sua casa, da morada do Divino, atravessava o Quadrado, ia de calça preta, camisa branca, de chapéu e com a túnica vermelha do Imperador do Divino. Esse ano a Duda, filha de Silvana, pediu para bater a caixa.
É uma honra contemplar as gerações da família de Dona Bernarda e Sr. João amalgamar todos os sentidos e sentimentos de uma história tão bonita e uma missão tão nobre. Impossível não se emocionar. Participar da Festa do Divino Espírito Santo, realizada pelas filhas do Imperador do Divino, reduz esforços explicativos para ternura, fé, saudade e amor.

O almoço da Festa do Divino acontece todos os anos no restaurante SILVANA & CIA localizado no Quadrado de Trancoso.

Instagram: @silvanaeciatrancosoquadrado

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